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O Sistema Brasileiro de Recuperação de Empresas – O Caso da Odebrecht

No mês passado foi noticiado que a sociedade Odebrecht S.A. (ODB), entrou com um pedido de recuperação judicial na 1.ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, a fim de evitar a sua falência e a de outras sociedades com as quais se encontra numa relação de grupo. Trata-se do maior pedido de recuperação judicial da história do Brasil e, devido à repercussão e ao impacto dos efeitos económicos que o desfecho daquele processo de recuperação poderá ter em diversos países, incluindo Portugal, cumpre fazer uma breve anotação ao direito falimentar brasileiro, o qual está regulado na Lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (sobre a qual tem sido amplamente anunciada uma reforma).

Ora de acordo com o Art.º 47, “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise económico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego e dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade económica”. O pedido de recuperação judicial, instruído através de petição inicial conforme dispõe o Art.º 51, a qual deverá conter a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise económico-financeira, a qual, no caso da OBD, foi potenciada por várias situações, incluindo: (i) a suspensão da venda da sua participação social na Braskem à holandesa LyondellBasell, (ii) a execução de dívidas contraídas para a construção da Arena Corinthians e do Centro Administrativo de Brasília e, naturalmente, (iii) o impacto negativo decorrente das investigações durante a Operação Lava-jato.  

Para o pedido de recuperação ser deferido, foram reunidos os requisitos cumulativos previstos nos Incisos do Art.º 48, i.e., (i) exercer atividade há mais de 2 anos, (ii) não se encontrar em situação de falência, (iii) não ter beneficiado à menos de 5 anos de recuperação judicial e, por fim, (iv) os seus (atuais) administradores nunca terem sido condenados pela prática de crimes falimentares. Nos termos do Art.º 52, assim que o juiz deferir este pedido, (i) nomeia o Administrador Judicial (AJ), o qual deverá ser um profissional idóneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contabilista, ou pessoa jurídica especializada (vide Art.º 21) ; (ii) ordena a suspensão de todas ações ou execuções contra o devedor (com a exceção das execuções de natureza fiscal, conforme estipula o §7 do Art.º 6); (iii) ordena que o devedor apresente contas demonstrativas mensais enquanto durar a recuperação judicial, sob pena de destituição dos seus administradores; e, por fim, (iv) ordena a expedição de edital que conterá a advertência do prazo de (somente) 15 dias para a habilitação de créditos (corresponde, no direito português, à reclamação de créditos), a qual deverá ser apresentada ao AJ (§1 do Art.º 7). Deste modo, compete ao AJ a (i) elaboração da lista de credores, nos termos do Art.º 22 (§2 do Art.º 7), (ii) requerer a falência do devedor em caso de incumprimento de obrigações assumidas no plano de recuperação, (iii) apresentar ao juiz o relatório mensal das atividades do devedor e, ainda, (iv) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação.

Depois de deferido o pedido de recuperação judicial, a devedora não poderá desistir do mesmo, salvo se tiver a aprovação da desistência na Assembleia-geral de credores (AG), cuja convocação poderá ser requerida a qualquer tempo para a constituição do Comité de Credores (vide o §4 e §2 do Art.º 52). Repare-se que a AG é composta, nos termos do Art.º 41, pelos titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; os titulares de créditos com garantia real; e os titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio real ou subordinados. Tal como adiantado anteriormente, o pedido de recuperação judicial da ODB foi remetido juntamente com o pedido de recuperação da Kieppe Participações e Administração LTDA., da ODBINV S.A., da OSP Investimentos S.A., da Odebrecht Serviços e Participações S.A., da ATVOS Agroindustrial Investimentos S.A., e da OPI S.A. Nesta panóplia de sociedades em relação de participação, as quais contam com financiamentos e garantias cruzadas, ou seja, coligadas entre si, poderá acarretar dificuldades na determinação dos quóruns necessários para a aprovação do plano, uma vez que será ser difícil aferir a qual sociedade corresponde cada credor. No entanto, prosseguindo com a tramitação subsequente, a devedora deverá, nos termos do Art.º 53, apresentar um plano de recuperação dentro do prazo improrrogável de 60 dias – contado após a admissão do pedido -, o qual deverá mencionar a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregues – previstos a título meramente exemplificativo no Art.º 50 -, a demonstração da viabilidade económica e a avaliação dos bens e ativos do devedor, a qual deverá ser subscrita por um profissional ou empresa legalmente habilitada para tal. Quanto a este aspeto, é jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça que ao poder judicial compete apenas o controlo da legalidade do plano de recuperação e dos seus termos, não podendo imiscuir-se nos seus aspetos económicos, por exemplo, no caso dos créditos dos trabalhadores, não poderá ser previsto no plano de recuperação um prazo superior a 1 ano para o seu pagamento. 

No prazo de 30 dias após a publicação da relação de credores, qualquer credor poderá objetar ao plano de recuperação judicial (Art. 55º) e, neste caso, o juiz convocará a AG para deliberar, podendo ter um de dois resultados: (i) plano é aprovado (Arts.º 57 e 58) ou (ii) o plano é rejeitado e, neste caso, o juiz decreta a falência do devedor (§4 do Art.º 55). Na deliberação que aprove o plano, todas as classes de credores deverão aprovar a proposta, nos termos do Art.º 42, podendo esta regra ser suprida caso se verifiquem as maiorias previstas no §1 do Art.º 58. O plano de recuperação implica a novação dos créditos anteriores ao pedido (Art.º 59) e o devedor permanecerá em recuperação judicial, sob fiscalização do Comité e do AJ (Art.º 64) até que estejam cumpridas todas as obrigações previstas e as que se vençam até 2 anos depois do deferimento do pedido. Caso os administradores sejam afastados da gestão da empresa em consequência de, e.g., (i) terem agido com dolo, (ii) simulação ou fraude contra os interesses dos seus credores ou até (iii) por, simplesmente, o seu afastamento tiver sido previsto no plano (Art.º 64), o AJ exercerá as funções de gestor enquanto a AG não deliberar sobre a indicação do gestor judicial que assumirá a administração da devedora (Art.º 65). 

No decurso da execução do plano de recuperação, a devedora não poderá alienar ou onerar bens ou direitos, a menos que seja autorizada pelo juiz e depois de ouvido o Comité (Art.º 66). Relativamente, aos credores quirografários que financiem a atividade, englobando-se, a prestação de bens e serviços, terão privilégio geral de recebimento, nos termos do § único do Art.º 67. Porém, no caso de incumprimento do plano, será decretada a falência da devedora (§1 do Art.º 61), reconstituindo-se os seus direitos e garantias dos credores (§2 do Art.º 61), valendo a decisão judicial que conceda a recuperação judicial como título executivo (§1 do Art.º 59). 

Na eventualidade de ser decretada a falência da ODB por alguma das situações previstas no Art.º 73, o seu objetivo deste processo será “(…) preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos (…)”, conforme resulta do Art.º 75 e o seu decretamento determina o vencimento antecipado de todas as dívidas (Art.º 77). No Art.º 83, está estipulada a classificação dos créditos, graduados com a seguinte ordem: os créditos derivados da legislação do trabalho; os créditos com garantia real; os créditos tributários; os créditos com privilégio especial; os créditos com privilégio geral; os créditos quirografários; os créditos que advêm de multas e coimas; e, por fim, os créditos subordinados. Tal graduação causa estranheza, uma vez que os titulares de garantia real, no caso de alienação do bem objeto de tal garantia, o seu produto não será afeto à satisfação exclusiva do seu crédito pois, em primeiro lugar, terão de ser pagos os créditos laborais até 150 salários mínimos (vide Inciso I do Art.º 83). Relativamente ao modo de pagamento, os créditos extraconcursais (que correspondem, no direito português, aos créditos sobre a massa insolvente, atendendo à diferença entre estes e os créditos da insolvência) serão pagos precipuamente, incluindo-se, a remuneração devida ao AJ (vide o Art.º 24, que estipula que compete ao juiz fixar o valor da remuneração do AJ), as despesas com a administração e as custas judiciais relativas às execuções em que a massa falida tenha sido vencida (vide o Art.º 84). 

Na comunidade jurídica brasileira, discutem-se alterações à Lei 11.101 – destarte haver o Projeto-Lei n.º 10.220 -, tendo sido aprovados pelo Conselho da Justiça Federal, durante a III Jornada de Direito Comercial, 11 Enunciados com orientações sobre a aplicação daquela Lei. A título de exemplo, no Enunciado 100, estabelece-se que, para efeitos do Art.º 49, o qual dispõe que “Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, esclarece-se naquele Enunciado que se consideram “(…) os créditos decorrentes de factos geradores anteriores ao pedido de recuperação judicial, independentemente da data de eventual acordo, sentença ou trânsito em julgado”.